Autora dos livros de poemas Movimento em falso (Patuá, 2016) e Distraídas astronautas(Patuá, 2014), Simone Teodoro nasceu em Belo Horizonte no início da década de 1980, num 31 de janeiro que, como muita gente deve saber, é o dia Internacional do Mágico. Ainda cedo foi iniciada pela mãe na arte das gambiarras. Passou a infância quase toda consertando coisas, principalmente os frágeis radinhos à pilha que comprava no camelô, com as moedinhas que juntava. Para ela a vida não tinha graça se não houvesse canções. Anos mais tarde fez aulas de artes marciais. Desistiu rápido e decidiu seguir carreira religiosa: foi católica carismática e quase irmã carmelita. Não deu certo. Cresceu. Estudou letras na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi professora de literatura. Em 2013 ingressou no mestrado na mesma instituição. Atualmente coordena as atividades de incentivo à leitura da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Mantém o blog calidapoesia.blogspot.com.br, onde publica, sem disciplina alguma, seus textos. Poderia ter sido engenheira, lutadora de MMA, freira ou saxofonista. Mas uma vida só não basta. É poeta.
Conheça 05 poemas do livro Movimento em falso, de Simone Teodoro:
Desordem
Porque ela passou
por aqui
dentro de mim tudo é
desordem.
Porque ela passou
por aqui
-Estação de loucura-
não há temperatura
em que eu não seja febre
não há voz
em que eu não seja
grito
Porque ela passou
por aqui
há apenas
a dor
da pele
cortada à volúpia.
***
Lugar
Aqui
onde foi abolido o hímen
úmido Hífen
que nos separava
Aqui
onde a língua é dinâmica
e dedos são talheres
Aqui
onde o grelo
destrona o falo
É rijo
É lindo
É talo
***
Por equinócios e solstícios vários
Eu te supunha
Asa
Hélice
Um retalhar de quedas
Eu te sonhava
Rito e rio
E te queria ajustada
A meu dia de chuva
E a minha saudade de árvores
Por equinócios e solstícios vários
Te gozei
Em poro e pelo
Mas eu era a puta
Eu era a puta
E você tinha
A pedra
E a estaca
Por equinócios e solstícios vários
Nos esfaqueamos
Com furor igual
Ao de quando o desejo
Nos delirava
Por equinócios e solstícios vários
Até que o sal
Do mar da mágoa
Vestiu de ardência
Nossas carnes rasgadas
***
Balada para Vita Sackville-West
I
Sigo
pela calçada suja
da madrugada
Tão confortável
como se fosse um rapaz
Calças largas
camuflam
as coxas
Mãos nos bolsos
Cabelos curtos
Tão confortável
como se fosse um rapaz
Homem nenhum
tem ganas
de devorar-me
Levo uns rabiscos
no meu embornal
mas,
oh
e se desconfiam
que tenho boceta
no lugar de um pau?
Piso a calçada mijada
-Segura-
Como se fosse um rapaz
II
No poema
que iniciei há quatro séculos
uma tristeza puta
cuidadosamente
alfinetada
Há quatro séculos
expurgando versos de abismos
Há quatro séculos
chorando a princesa russa
que desliza
para sempre
numa pista de gelo.
Há quatro séculos
cultivo um carvalho
dentro do meu embornal
Mas,
oh
e se desconfiam
que tenho boceta
no lugar de um pau?
***
Liturgia
Chove constantemente
em meu sonho
Mas aqui
Onde tudo é real
Há, por vezes,
Uma dureza cinza de asfalto
E o sol não tem cabelos
Como num desenho
de infância
O lilás interrompe
a rotina das nuvens
Um nome se repete
na memória
Tal qual mantra
Liturgia