Fernando Souza é pescador. Por toda sua vida tirou o sustento do Rio Doce, pescando curimba, pacumã, tilápia, robalo, tucunaré, mandiaçu, tainha, lambari, cascudo. O favorito de Fernando é o cascudo cari, que diz ser muito saboroso. Nas últimas semanas, no entanto, ele não conseguiu pescar. O Rio Doce em Colatina, Espírito Santo, foi tomado por uma lama alaranjada de rejeitos de minério de ferro e manganês que percorreu 600 quilômetros saindo de Mariana, em Minas, até chegar no mar, no que está sendo considerado como o maior desastre ambiental do Brasil.
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Fernando é um dos pescadores que se organizaram em uma operação de guerra para salvar os peixes do Rio Doce. A operação, chamada de Arca de Noé, foi coordenada pelo fotógrafo - e pescador nas horas vagas - Edson Negrelli. Eles não tem o número exato de peixes que conseguiram resgatar, mas foram dezenas de milhares. Os peixes foram retirados do Rio Doce antes da lama tóxica vinda do rompimento da barragem chegar na cidade. Eles foram levados a lagoas afastadas para que pudessem sobreviver. A operação não era nada simples.
No dia em que acompanhei - 20 de novembro, um dia depois da lama chegar à cidade -, eles retirariam um último grupo de peixes que havia sido colocado em uma lagoa improvisada ao lado do Rio Doce, em um banco de areia escavado. Esse mesmo banco tinha que ser vigiado durante a noite, para que os peixes não fossem roubados. Os pescadores se revezavam em uma barraca de saco plástico, também improvisada, ao lado da lagoa.
Com a chegada da lama, essa "lagoa" seria contaminada em pouco tempo. A retirada dos peixes foi feita com caixas de isopor, nas quais se colocava a água do rio, ainda não poluída, e um pouco de oxigênio. Os peixes eram colocados nas caixas e levados até a outra margem do rio, onde eram realocados para grandes tanques com capacidade para mil litros de água. Esses tanques eram levados de caminhão até as lagoas, fora de Colatina. A operação, bastante delicada, ainda tinha que contar com algumas perdas no caminho, pois muitos peixes não resistiam a mudança de temperatura ou ao transporte nos tanques.
As filas para a população retirar água mineral chegavam a até 4 horas. Depois de muita confusão e briga entre as pessoas, as distribuições passaram a ser feitas pelo Exército. O limite para cada pessoa eram 2L de água. Atualmente, três semanas depois da chegada da lama tóxica, Colatina tem seu abastecimento retomado. Entretanto, o tumulto e as filas para a distribuição de água potável continuam.
*Camila Pastorelli é fotógrafa e jornalista
fonte: Epoca