Diante do anúncio das mudanças no pagamento dos benefícios por titulação dos servidores da saúde, entidades sindicais se mobilizam e prometem acionar a Justiça. Elas garantem que, na prática, haverá corte de salários
As mudanças no pagamento de gratificação por titulação (GTIT) na Secretaria de Saúde desencadearam uma série de reações contra o Executivo local. Servidores insatisfeitos se queixam da queda no salário. Os sindicatos falam em corte de “direitos adquiridos”. O Conselho de Saúde alerta para um “terrorismo inadmissível”. A disputa deve parar na Justiça. Pelo menos, é o que promete a força sindical. Nem a Câmara Legislativa escapou. Nos bastidores, parlamentares foram procurados para o enfrentamento político da questão. Apesar dos protestos, o governo garante que as mudanças são para aperfeiçoar os pagamentos.
Os próximos 60 dias — período em que os servidores devem recadastrar as informações para o recebimento do benefício — devem ser tumultuados. O Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde (Sindsaúde) fará uma mobilização, em 15 de março, no Hospital de Base (HBDF). O departamento jurídico do Sindicato dos Médicos (Sindmédico) analisa o conteúdo da portaria publicada ontem para “tomar as providências cabíveis”. A Secretaria de Saúde, nos próximos dias, deve iniciar a mobilização dos servidores de maneira que o clima fique menos tenso.
Servidores que recebem gratificação por titulação (GTIT) nos últimos cinco anos, ou seja, adicionais no salário em decorrência de especializações, por exemplo, terão os valores revisados. O recadastramento abrange 9.719 profissionais. O pagamento de benefícios em duplicidade fez com que a Procuradoria-Geral do DF determinasse a correção (leia Entenda o caso). Atualmente, a Secretaria de Saúde desembolsa R$ 49,2 milhões com o pagamento de bonificações para 34.697 funcionários, entre ativos e aposentados. Desde 2014, o pagamento de gratificações está suspenso. Nesse período, pelo menos 47 profissionais exigiram na Justiça o benefício.
A presidente do Sindsaúde, Marli Rodrigues, defende que as mudanças se confrontam com a legislação da categoria. “A portaria pode regulamentar a lei, mas não mudar. Nossas gratificações estão garantidas desde 2004. A retirada desidrata o salário”, critica. Ela emenda. “Querem fazer uma economia com o salário de quem ganha pouco e isso vai desestimular o servidor. Não se fala em pagar o que está atrasado”, reclama. A sindicalista está elaborando uma estratégia jurídica para embargar a portaria.
Desestímulo
O presidente do Sindmédico, Gutemberg Fialho, alerta para um possível aumento na desistência de profissionais em assumir cargos na pasta. “O corte, aliado às péssimas condições de trabalho, vai deixá-los ainda mais desmotivados para trabalhar”, reclama. Para ele, o parecer da Procuradoria-Geral do DF é uma peça de “encomenda”. “O objetivo era cortar a gratificação atendendo a necessidade do governo”, destaca. O texto da lei que regula o setor foi alterado pelo menos três vezes pela Procuradoria.
O que mais incomoda o presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem (Sindate), Jorge Viana, é a obrigatoriedade do recadastramento. “A pasta não tem sequer internet, como vai receber 34 mil formulários on-line? Não há condições de se fazer um recadastramento dessa forma. O governo não tem expertise para fazer isso agora.” Jorge destaca ainda que o texto da portaria é confuso. “Trouxe mais confusão que esclarecimentos”, finaliza.
Para o presidente do Conselho de Saúde do DF, Helvécio Ferreira, o “parecer da Procuradoria não tem um viés técnico e impessoal”. “Não estou discutindo a legalidade da portaria, mas, sim, os feitos que ela causa em um momento que precisamos da boa vontade dos servidores”, sustenta. Mesmo que haja economia aos cofres públicos — a Secretaria de Saúde não garante o decréscimo, pois a previsão é de que outras 2,5 mil pessoas, contratadas nos últimos dois anos, passem a receber o adicional —, ele não considera o corte uma boa medida.
O diretor de Administração de Profissionais da Secretaria de Saúde, Hugo Lima Alencar, explica que a reformulação não se trata de corte, mas, sim, de um aprimoramento e uma avaliação dos pagamentos de gratificação. Todas as medidas, segundo Hugo, são ancoradas no parecer da Procuradoria-Geral. “Vamos analisar a situação dos servidores após o recadastramento e depois promover as adequações, se necessárias”, ressalta. Isso servirá também para que seja formado um “banco de talentos”. “Nossa intenção é alcançar a gestão por competência e isso vai nos ajudar a traçar um panorama da nossa força de trabalho”, acrescenta. O parecer da Procuradoria é de 2015, mas o governo só acatou agora. Hugo atribui a morosidade à burocracia.
Entenda o caso
Pagamentos duplicados
Hoje, 78% dos servidores recebem o percentual máximo de 30% — índice alcançado pela apresentação de título de doutor. Desde 2014, a Procuradoria-Geral do DF proibiu a inserção de servidores na lista de novas gratificações. Ocorre que alguns profissionais recebiam por vários títulos ao mesmo tempo. A regra é que apenas o título de maior peso acadêmico seja levado em consideração. Dessa forma, fica proibido, por exemplo, que um funcionário receba benefício de 15% por uma pós-graduação e mais 15% por um segundo curso da mesma categoria. O cálculo do benefício tem como base o valor de referência de R$ 2,8 mil. A Lei nº 4.426, de novembro de 2009, que regula esse pagamento, já proíbe acréscimo salarial por títulos equivalentes. O texto da lei que regula o setor foi alterado pelo menos três vezes pela Procuradoria.

